O presente artigo busca, de maneira sintética, esclarecer as principais alterações acarretadas pela transação individual prevista pela Portaria nº 9.917/2020 que tem por base o art. 190 do Código de Processo Civil, e suas aplicações no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional.
Para tanto, estabeleceremos o conceito, natureza jurídica e espécies de condições da transação individual como forma de redução de crédito classificados pelo fisco de forma irrecuperável ou de difícil recuperação.
Contudo, inicialmente será apresentado um status atual do cenário jurídico tributário nacional, com fundamento à verificação das necessárias inovações, já provocadas por meio do Art. 190 do Código de Processo Civil e somente em 2020 regulamentada pelo fisco nacional.
Por fim, discorreremos acerca do tratamento dado à matéria pelo novo Código de Processo Civil e da atual aplicação aos poucos casos concretos já alinhavados em âmbito nacional. Continue lendo e confira.
No Brasil, a carga tributária pode chegar a 35% do PIB. Nessa linha de pensamento, o alto custo com a tributação, faz com que grande parte dos contribuintes busquem todos os métodos possíveis para reduzir ou até mesmo sonegar tributos. Ao mesmo tempo, a Receita tem métodos cada vez mais eficazes de assegurar o pagamento da obrigação tributária.
Há contribuintes que apenas fazem a declaração de seus tributos para evitar condenações de ordem criminal, contudo, por falta de condições, passam a sonegar. A discursão judicial passa a ser, então, uma forma alternativa para que se possa ganhar o tão valioso “tempo” na execução.
A consequência da política tributária desajustada incapacita o contribuinte ao pagamento, fazendo-o inadimplir.
Ao passo que, a sonegação cresce, com intuito de manter o funcionamento da custosa máquina pública, novos tributos são criados e a carga tributária amplia-se, fazendo com que mais uma vez o contribuinte amplie o seu não pagamento.
Em resumo é uma roda cíclica, e sem volta. Apenas os que buscam andar detidamente na linha traçada pelo fisco passam a ter que fazer severas restrições em seus custos, para, então, aderir às novas despesas.
Há quem, até mesmo faça uma comparação entre o elevado custo tributário e o custo de empréstimos bancários, concluindo que, antes de pagar os tributos, financeiramente, seria mais vantajoso investir na fomentação da atividade empresarial, fugindo de débitos bancários.
O pagamento do tributo, mesmo que em atraso, acarretaria menos encargos que, por exemplo, a prestação bancária. Além disso, ainda há o desajuste do tempo da cobrança.
Ricardo Castagna, no artigo Reforma Tributária e Cenário Adverso a Investimentos Estrangeiros, faz também a seguinte constatação:
“De acordo com recente estudo da FIESP, apenas as indústrias gastam anualmente 1,2% de seu faturamento para apurar e pagar tributos, devido a custos de conformidade. Em 2018, isto equivaleu a R$37 bilhões, ou seja, 5% do PIB da indústria de transformação e 9,3 vezes superior a diversos parceiros comerciais do Brasil – tais como Alemanha, Argentina, Canadá, Chile, China, Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos, França, Índia, Itália, Japão, México, Reino Unido e Suíça. Não bastasse, o mesmo estudo demonstra que 95,3% dos tributos devidos pelo setor industrial foram pagos 49 dias antes do vencimento das vendas, gerando descasamento de fluxos de caixa e pressão sobre capital de giro.”
Ou seja, a cobrança de impostos e seu pagamento são feitos aos cofres públicos antes mesmo que as vendas tenham sido pagas efetivamente. Esse fato por si só gera grande impacto no percentual do encarecimento tributário em relação ao PIB, sendo determinante na lucratividade da empresa, sobretudo daquela que trabalha com baixa margem de lucro.
Além dos elevados custos, temos que falar sobre a burocratização do sistema devido aos inúmeros tributos e suas exceções. Esse fato torna a tributação ainda mais complexa, já que o contribuinte depende de inúmeros fatores de ordem econômica, gestacional e contábil para então ter acesso à informação.
Alex Morais, no artigo É possível reduzir o custo do compliance tributário?, faz a seguinte menção:
“Essas cadeias do compliance tributário precisam ter harmonia, de modo que as etapas, sejam elas compostas por processos internos ou externos, de baixo ou alto valor agregado, com tecnologia ou sem tecnologia, precisam ter uma lógica diretamente conectada, de modo a validar operações realizadas, realizáveis, não realizadas e não realizáveis, seja por meio de auditorias, essas por amostragem, ou por perícias, essas sem amostragem.”
Alex Morais
A atual presidência da câmara dos deputados defende a reforma da legislação tributária. No atual projeto de reforma tributária, um dos pontos fortes a serem discutidos é justamente a unificação de 5 tipos de tributos (IPI, COFINS, PIS, ICMS e ISS) transformando-os em um único imposto, o IBS.
Criar um imposto único, em substituição a vários outros, também é uma forma de modernizar os processos. Essa formatação já é utilizada por vários outros países.
Em pesquisa publicada em 2020, o Banco Mundial classificou o Brasil em 124º lugar entre as economias e em 184º colocação em matéria tributária. Essa baixíssima classificação decorre, acreditamos, especialmente da complexidade e encarecimento dos tributos nacionais.
Mais recentemente, uma pesquisa com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico mostrou que o Brasil é o segundo país que mais tributa empresas.
O Código de Processo Civil de 2015 inovou com seu artigo 190, trazendo para o ordenamento a chamada “cláusula geral de negócios jurídicos processuais”:
“At. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções revistas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”
Essa mudança proporcionou a realização de negócios processuais sem que necessariamente tenham previsão expressa na legislação, também chamados negócios processuais atípicos.
Para o direito civil, a licitude passou a ser o limite para tais atos, contudo para o direito tributário, com seus limites previstos em lei, a negociação tributária ainda enfrentaria muitas limitações.
Em abril de 2020, é editada a portaria nº 9.917, para regulamentar a transação na cobrança da dívida ativa da União já com a permissibilidade da aplicação do art. 190 do CPC 2015.
A referida medida teria, dentre outras possibilidades, a intenção de provocar a recuperação fiscal do passivo tributário daqueles que se enquadram na presente situação.
Em especial, essa edição consegue possibilitar a recuperação fiscal para os seguintes devedores:
Contudo, passado um pouco mais de um ano da edição da medida de transação tributária, as manifestações a respeito do tema ainda são acanhadas.
Como negociações de impacto nacional, temos o exemplo da que ocorreu no estado do Rio Grande do Norte, administrativamente, compondo o débito no processo judicial 0187700-62.2007.5.21.0003, onde o maior hospital da particular da região, fez adesão ao plano de recuperação fiscal, obtendo cerca de 70 milhões em desconto, em uma dívida originária superior a 160 milhões.
Outro caso que tem sido parâmetro para procuradores de todo o país é a transação individual aderida pelo Cruzeiro Esporte Clube, e apresentada ao processo 15913-39.2019.4.01.3800 – no estado de Minas Gerais. Neste último, o devedor faz adesão a 145 parcelas mensais e consecutivas para a dívida não previdenciária e 60 parcelas mensais e consecutivas para a dívida previdenciária, transacionando um débito originário de R$ 334 milhões, com descontos na ordem de R$ 150 milhões, sobre encargos.
Na ocasião, o presidente do Cruzeiro Esporte Clube, Sérgio Augusto Santos Rodrigues, lembrou que “nada supera o diálogo como método de resolução de conflitos”.
Por meio de referidos acordos os contribuintes passam a ter o direito à emissão de certidão negativa ou de certidão positiva com efeitos de negativa desde que cumpridos os requisitos previstos nos artigos 205 e 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional) e a conta esteja em situação regular, com o devido recolhimento das prestações mensais vencidas.
Assim, o que se vê é que, após um ano da criação da portaria que rege os novos termos negociais com o fisco nacional, a transação individual se mostra uma ferramenta incrivelmente promissora e capaz de transpor às antigas tradições. É a possibilidade da aproximação do contribuinte ao fisco.
Referências
BANCO Mundial; pesquisa Doing Business. Disponível em: https://portugues.doingbusiness.org/pt/rankings. Acesso em: 12 de dezembro de 2020.
BRASIL. Lei nº 5. 172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 25 out. 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm. Acesso em: 12 de dezembro de
2020.
CASTAGNA, Ricardo. Reforma Tributária e Cenário Adverso a Investimentos Estrangeiros. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI303883
Matéria Jornalística – Hospital da Capital Potiguar Firma Acordo com Fazenda Nacional. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/hospital-da-capital-potiguar-firma-acordo-com-a-fazenda-nacional/509198
PGFN e Cruzeiro Esporte Clube formalizam acordo de transação no valor de R$ 334 milhões. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/outubro/pgfn-e-cruzeiro-esporte-clube-formalizam-acordo-de-transacao-no-valor-de-r-334-milhoes
Armindo Albuquerque é advogado, fundador da Armindo Augusto de Albuquerque Neto Sociedade de Advogados.
Ana Cecília Lopes Albuquerque é advogada, Pós-graduada em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Pós-graduanda Master of Laws em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.